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Transpiração Florestal e o Ciclo da água terrestre: Uma relação nada trivial

Estudo de um time internacional que inclui pesquisador do INPE revela os riscos do desmatamento para a estabilidade climática

À medida que a escassez de água cresce globalmente e o desmatamento ameaça as florestas naturais remanescentes, entender como a vegetação afeta o ciclo da água torna-se cada vez mais importante. Em seu novo artigo “O papel da transpiração do ecossistema na criação de regimes alternativos de umidade influenciando a convergência da umidade atmosférica” publicado na Global Change Biology, uma equipe internacional e interdisciplinar liderada pela TUM Munich demonstrou a existência de dois regimes de umidade potenciais – um mais seco, com umidade adicional diminuindo a importação de umidade atmosférica, e um mais úmido, com umidade adicional aumentando a importação de umidade atmosférica. No regime mais seco, o vapor de água se comporta como um traçador passivo seguindo o fluxo de ar. No regime mais úmido, modifica a dinâmica atmosférica.

A equipe baseou sua análise na dependência não linear previamente estabelecida da precipitação no teor de umidade atmosférica – o aumento da umidade absoluta leva a um incremento insignificante de precipitação se a atmosfera estiver seca, mas a um grande incremento quando a atmosfera estiver suficientemente úmida. Combinando essa dependência com uma consideração completa do balanço hídrico, os pesquisadores mostraram que um aumento na precipitação em condições úmidas, facilitado pelo aumento da evapotranspiração – ou seja com ampliação na cobertura de florestas – deve levar a uma maior importação de umidade. O artigo ilustra esses padrões com os dados da bacia amazônica e do Loess Plateau na China.

Makarieva, A.M., Nefiodov, A. V, Nobre, A.D., Baudena, M., Bardi, U., Sheil, D., Saleska, S.R., Molina, R.D., Rammig, A., 2023. The role of ecosystem transpiration in creating alternate moisture regimes by influencing atmospheric moisture convergence. Glob. Chang. Biol. 1–21. https://doi.org/10.1111/gcb.16644

Com a palavra, os autores:

Anastassia Makarieva (Instituto de Estudos Avançados, TUM Munich, líder da pesquisa) enfatiza a necessidade de uma ampla cooperação internacional nos estudos da ecologia do ciclo da água: “Nós demonstramos que uma dependência não linear da precipitação na quantidade de vapor na atmosfera, primeiro observada por nossa coautora Mara Baudena (CNR-ISAC, Itália) e seus colegas, tem amplas implicações. Os fluxos de água atmosférica não reconhecem fronteiras internacionais, portanto, o desmatamento que interrompe a evapotranspiração em uma região pode desencadear uma transição para o regime mais seco em outra. Nossos resultados indicam que as florestas naturais da Terra, tanto em altas quanto em baixas latitudes, são nosso legado comum de importância global fundamental, pois sustentam o ciclo da água terrestre. Sua preservação deve se tornar uma prioridade amplamente reconhecida por nossa civilização para resolver a crise global da água”.

Andrei Nefiodov (Instituto de Física Nuclear de Petersburgo, Rússia) diz que os novos resultados corroboram o conceito da bomba biótica de umidade atmosférica que enfatiza o papel dominante das florestas naturais no transporte de umidade para o interior. Antonio Nobre (INPE, Brasil) compara esse bombeamento biótico de umidade a um coração pulsante e destaca a boa notícia: mesmo em terras áridas, com a restauração da vegetação deve-se conseguir aumentar a convergência da umidade atmosférica e a vazão dos rios. Para conseguir isso, a estratégia de restauração ecológica deve ser cuidadosamente projetada para orientar a transição do ecossistema dos regimes secos para úmidos.

Anja Rammig (Escola de Ciências da Vida da TUM Alemanha) considera esses resultados como tendo profundas implicações para os estudos em andamento sobre a resiliência da floresta amazônica diante do perigo do desmatamento e das mudanças climáticas. Scott Saleska (Universidade do Arizona, USA) acredita que os novos resultados estão de acordo com o profundo papel da fenologia foliar na floresta amazônica para a regulação do ciclo da água. Ao forçar um declínio na evapotranspiração da floresta, o desmatamento pode desumidificar a atmosfera e, assim, levar a floresta a um regime mais seco, onde a transpiração da vegetação em crescimento agravaria ainda mais a aridez ao diminuir a importação de umidade. Sair dessa armadilha da paisagem pode ser impossível. Ruben Molina (Universidade de Antioquia, Colômbia) espera que os resultados do estudo aumentem a conscientização sobre a importância da conservação da floresta tropical. Ugo Bardi (Clube de Roma, Universidade de Florença, Itália)  acrescenta “Precisamos levar em consideração as relações holobiônticas entre todos os elementos do ecossistema que permitem uma regulação eficiente do ciclo da água”,